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JORGE SOARES - 50 ANOS DE CARREIRA

50 anos de carreira de Jorge Soares: o repórter de oito Copas do Mundo e eterno 'calo dos cartolas'

Lenda do rádio pernambucano, Jorge Soares tem no currículo entrevistas com Pelé, alcunha de 'Calo dos Cartolas' e oito Copas do Mundo

postado em 13/10/2022 08:00 / atualizado em 13/10/2022 10:28

<i>(Foto: Rafael Vieira/Esp. DP Foto)</i>
O rádio pernambucano é vanguardista. Por aqui, a Rádio Clube de Pernambuco foi, em 1919, precursora na América Latina e, anos depois, em 1931, o locutor Abílio de Castro empunhou o microfone da emissora para transmitir, pela primeira vez na história do Brasil, um jogo de futebol. Além disso, grandes nomes das artes e do jornalismo surgiram nas ondas moduladas da Terra dos Altos Coqueiros. Entre eles, Jorge Soares, que completa, neste mês, meio século de carreira.

Aos 74 anos, o repórter de oito Copas do Mundo, nascido em Moreno, é técnico agrícola, foi político e já deu aulas na cadeira de prática em zootecnia no colégio da Universidade Rural de Pernambuco. No magistério, Jorge Soares, curiosamente, foi apresentado a sua vocação. 

“Posso dizer que foi o pontapé para eu entrar no rádio. Porque havia torneios entre classes e, na época, década de 1960, eu transmitia os jogos. Com essa brincadeira, acabei ingressando na Rádio Repórter do Recife em 4 de outubro de 1972”, disse em entrevista à reportagem.
 
<i>(Foto: Rafael Vieira/Esp. DP Foto)</i>
Na sua infância, Jorge Soares cresceu na Zona Rural de Moreno, a 28 quilômetros do Recife. Por lá, assim como milhares de conterrâneos, morou numa casa simples e passou por inúmeras dificuldades. A começar pela perda precoce do pai aos 14 anos. 

“Tive uma infância muito triste. Aos 14 anos, perdi meu pai. Antes de morrer, ele me matriculou no Colégio Agrícola onde me formei e fui convidado a ser professor. Antes, cheguei a morar numa casa de taipa com piso de barro. Foi muito triste, mas um aprendizado que me fez chegar aqui. Por onde passei, a humildade foi minha arma e posso dizer que sou um vitorioso em todos os seguimentos da vida”. 

Na crônica esportiva, Jorge Soares ficou conhecido por sua inquietude diante da informação em primeira mão. Desde o alvorecer de sua carreira, sempre foi atrás do furo - assim o ensinou o lendário Barbosa Filho, seu chefe na Rádio Clube de Pernambuco da década de 1970. 

Um dos maiores nomes da história do rádio nordestino, o maranhense foi responsável por escalar Jorge em sua primeira cobertura de Copa do Mundo. Indiretamente, a alcunha de ‘repórter de oito Copas do Mundo’ tem o dedo de Barbosa Filho.

“Esse apelido representa muita coisa. Porque acredito que a consagração da carreira de um jornalista esportivo é cobrir o maior evento do planeta. Eu lhe confesso que não esperava. Porque, quando estava trabalhando normalmente na Rádio Clube, se aproximou a Copa do Mundo e meu chefe, Barbosa Filho, entrou na sala com sete repórteres e disse: só vai um para o Mundial. Nas edições seguintes, foi a mesma coisa”.

<i>(Foto: Rafael Vieira/Esp. DP Foto)</i>
Nos 50 anos de carreira, Jorge Soares acompanhou a Seleção Brasileira nos Mundiais da Argentina, em 1978, Espanha, 1982, México, 1986, Itália, 1990, França, 1998, Alemanha, 2006, África do Sul, 2010, e Brasil, em 2014. Em 1994, no tetracampeonato brasileiro nos EUA, Jorge era prefeito de Moreno. No penta, não viajou. Por isso, brincam que o repórter de oito Copas do Mundo é azarado.

“Posso dizer para você que nunca tive uma vitória em Copa do Mundo. Por isso, me chamam de pé frio. Quando eu fui, o Brasil perdeu. Embora a Seleção não tenha vencido nenhum Mundial que fiz a cobertura, tive muitas alegrias em Copas do Mundo. Mas tive tristezas também”. 

“Na Copa da Espanha, em 1982, estava em Barcelona e, ao sair do hotel, li uma matéria no jornal espanhol que dizia que o Brasil tinha o maior quarteto do mundo, Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico. Nela dizia: ninguém segura o Brasil. Saímos para o estádio e voltamos cabisbaixos, porque perdemos para a Itália com os três gols de Paolo Rossi, que vinha de um período inativo”, disse.

Em Pernambuco, ficou conhecido, além da ânsia pela informação exclusiva, por suas perguntas afiadas. Seguindo à risca a cartilha do bom jornalismo, sempre soube que questionar não ofende. Apesar disso, já sofreu ameaças e xingamentos de dirigentes, treinadores e torcedores. Na entrevista, Jorge Soares relembrou o episódio com o ex-superintendente da Federação Pernambucana de Futebol, Napoleão Gonçalves. 

<i>(Foto: Rafael Vieira/DP Foto)</i>
Na ocasião, Jorge Soares questionou o manda-chuva do futebol pernambucano sobre o início do Estadual, que estava, nas palavras do repórter, "bagunçado". Irado, Gonçalves retrucou dizendo que "bagunçado era o repórter". Essa foi uma das várias histórias que tornaram Jorge Soares o "Terror dos Cartolas", conforme matéria publicada no Diario de Pernambuco, que ele guarda com orgulho.

O MOMENTO ESPORTIVO

Atualmente, Jorge Soares apresenta, de segunda a sexta, às 11h, o programa Momento Esportivo na Rádio Clube. No domingo, o Show de Notícias esquenta as transmissões dos jogos. Entre os blocos, dirigentes, treinadores e personagens do futebol pernambucano são entrevistados - sempre com as perguntas amoladas do repórter. Além disso, em seus programas, o diferencial é a participação do ouvinte.

“Resolvi abrir os microfones, porque tem rádio que não quer ouvir o torcedor. Tem gente que acha que o torcedor não flui. Minha opinião é que cada torcedor é um treinador. Por onde passei, sempre trabalhei com o microfone aberto”. 

“A galera entra, dá a opinião. Você não sabe o que o torcedor pode dizer, até contra o apresentador. Mas abro e não tenho problema. Tem torcedores que são chatos. Outros trazem bons conteúdos. Alguns arengam e me chamam de rubro-negro, tricolor, alvirrubro e assim vai. O importante é que o torcedor é a razão maior da nossa existência no rádio”. 

<i>(Foto: Rafael Vieira/Esp. DP Foto)</i>
Aos 74 anos, Jorge Soares se considera um vencedor. Deixou a simplicidade do interior de Pernambuco para conquistar o mundo - sem esquecer de suas raízes. Em 2020, ficou internado após contrair Covid, mas driblou a doença. Repórter da ‘velha guarda’, comprova que a idade não importa quando o assunto é estar atualizado e na vanguarda da informação. Por isso, aconselha os jovens jornalistas a sempre buscarem conhecimento.

“Aconselho que se mantenham sempre atualizados. Estou nessa idade, 74 anos, e mesmo o programa sendo às 11h chego na empresa às 6h. Fico catando notícias, apurando as coisas. Acho que todo repórter tem que ser assim. Ainda mantenho a ânsia de dar a notícia em primeira mão”. 

“Tenho, também, que ouvir todo mundo. Às vezes, vou dormir um pouco tarde e ouço todas as rádios para me atualizar. E acho que esse é o grande conselho para o repórter que está começando: você não sabe tudo. Estou nesta idade e não sei tudo. Tem gente que se acha autossuficiente. No fim a gente não sabe nada. Procuro sempre ouvir os outros”, concluiu.

<i>(Foto: Rafael Vieira/Esp. DP Foto)</i>


OUTROS TRECHOS DA ENTREVISTA COM JORGE SOARES

ESPORTES DP - Como é o ambiente de cobertura de uma Copa do Mundo?

JORGE SOARES - A Copa do Mundo é um negócio muito sério. Tem gente que pensa que você vai fazer turismo. Mas estar lá é uma consagração para o jornalista. Você viaja para uma Copa do Mundo e é como se estivesse em Pernambuco cobrindo o Santa Cruz, Náutico e Sport. Você não para. Amanhece e já vai para o treino da Seleção ou para o treino do adversário. Voltando para o hotel, você almoça e já volta para a segunda sessão do treino da Seleção. 

É uma correria. Você só tem um tempinho na folga da Seleção. Cobrir uma Copa do Mundo é um corre-corre. Fora as missões fora da pauta que você recebe do chefe: vai entrevistar João Havelange, quero que você entreviste Pelé. Então, você vive sempre num cotidiano agitadíssimo. Além do fuso horário, que complica tudo e deixa o dia a dia ainda mais cansativo.
 
ESPORTES DP - Diferenças entre coberturas com a emissora e independente? 
 
JORGE SOARES - Nunca tive dificuldades em trabalhar em Copa do Mundo. A Rádio Clube sempre fez a cobertura para valer e comprou todos os direitos. Nós falávamos do hotel, da concentração, do treino da Seleção, do centro da imprensa e, às vezes, do estádio. 

Eu já viajei para a Copa do Mundo sem comprar direitos. A Copa da França, por exemplo, eu fui sozinho, no peito. É muita coragem você arrumar a bagagem e ir. Fiz 30 dias de programa direto de Berlim, na Alemanha, com tudo por minha conta. Lá foi muito complicado, porque foi uma Copa louca. O Brasil jogava em Frankfurt e, de repente, ia para Munique. Depois para Dusseldorf, Berlim. E eu dentro daqueles trens de grande velocidade (TGV). 

ESPORTES DP - Melhor experiência na cobertura de um Mundial?

JORGE SOARES - O país que mais fiquei à vontade foi a Espanha. Muita gente chorou quando voltamos para o Brasil. Na hora que perdemos a Copa, perde-se 80% do interesse no país pelo evento. Então, não fazia sentido a gente ter uma equipe tão grande lá. A tristeza no embarque com os espanhóis que adoravam os brasileiros. 
 
ESPORTES DP - Momento mais emocionante em Copas do Mundo? 
 
Fiquei muito emocionado no México, onde fiquei em Guadalajara, em 1986. Quando saí para o Estádio Jalisco, todos os prédios por onde passei tinham a bandeira do Brasil. E não eram brasileiros. Aquilo foi muito emocionante, as criancinhas mexicanas gritando o nome do nosso país. 

Outra coisa que me deixou muito emocionado foi, em 1978, quando o Brasil estava praticamente eliminado, e Pelé apareceu no telão do estádio argentino. Ele estava comentando para uma rede estrangeira. E o estádio em peso gritou "volta, Pelé". Os argentinos querendo dizer que a Seleção estava ruim e ele deveria retornar. Em um país rival, isso acontecer foi muito emocionante. 

O Brasil sempre foi muito respeitado em outros países. No estádio de Guadalajara, se não me falha a memória, tem uma imagem de Garrincha na entrada. Isso tudo é muito emocionante.

ESPORTES DP - Perrengues na cobertura da Copa do Mundo?

JORGE SOARES - Geralmente, o repórter quando viaja para a Copa do Mundo, ele se preocupa em falar várias línguas. Eu nunca me importei, porque minha preocupação era sempre cobrir a Seleção Brasileira e entrevistar os jogadores. O ponto alto da cobertura era o Brasil. Mas tive dificuldades em hotéis e restaurantes. 

Na Copa da Argentina, fui jantar no hotel e o garçom se aproximou de mim e disse "¿que sugieres?". Ficou repetindo aquilo e pensei que era a mesa que estava suja. O pessoal começou olhar para mim e fui para outro restaurante. No caminho, expliquei a um garçom, que era africano e falava português. E ele me explicou que o argentino estava perguntando qual era minha sugestão para o jantar. Por não me adaptar à língua do país, acabei passando vexames como esse. 

ESPORTES DP - Como foi entrevistar Pelé?

JORGE SOARES - Entrevistar Pelé foi uma emoção muito grande. Eu estava iniciando a carreira e tenho até uma foto registrando o momento no jogo Santa Cruz e Santos, no Arruda. Barbosa Filho era meu chefe e ele não dava pauta. Mas, nesse dia, me pediu uma entrevista com Pelé, que estava no hotel São Domingos, na Praça Maciel Pinheiro. Quando cheguei lá, ele me recebeu muito bem, sempre foi muito educado. 

Eu pensava que ia ficar sentado numa poltrona do hotel, mas ele me convidou para a parte de cima do hotel. Eu ia fazer uma pergunta e ele me respondia 10 minutos. Estava inibido, nervoso, porque estava enfrentando o Rei do Futebol no meu início de carreira. Acabei fazendo uma entrevista de quase 40 minutos. Uma pauta que era de 15 minutos, ele acabou falando mais do que eu. Depois, o entrevistei no estádio do Arruda, onde tiramos a foto. 

ESPORTES DP - A incessante busca pelo furo

JORGE SOARES - Uma vez, fazendo a cobertura do Santa Cruz, acabei cochilando na porta de uma reunião que ia sair a demissão do técnico. E eu acabei colocando o gravador na brecha da porta. Demorou tanto que eu peguei no sono. Terminando a reunião, os diretores abrem a porta e estou dormindo com o gravador. Isso foi um flagrante triste.








 

 





 

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