Esportes DP

ESPECIAL "CLÁSSICOS QUE DEFINIRAM"

Em 1951, Náutico e Sport se enfrentavam pela primeira vez numa decisão de Pernambucano

No sistema 'melhor de três', o Timbu conquistou o bi de terra e mar

postado em 20/05/2021 02:38 / atualizado em 20/05/2021 09:05

<i>(Foto: Acervo/Biblioteca Nacional)</i>
Dando sequência ao especial “Clássicos que Definiram”, que relembrou, nesta quarta-feira (19), a final do Campeonato Pernambucano de 1991, o Esportes DP preparou uma matéria especial sobre o primeiro embate entre Sport e Náutico da história que decidiu um estadual. Há pouco mais de 70 anos, os rivais se enfrentaram em três confrontos válidos pela final do Campeonato Pernambucano de 1951 e, com duas vitórias e um empate, o Timbu levantou o caneco.

A partir das páginas do Diario de Pernambuco da época, traçamos o panorama do quinto título da história alvirrubra - e, evidentemente, o primeiro diante dos rubro-negros. Curiosamente, a segunda taça do tricampeonato do Náutico entre 1950 e 1952 foi a primeira na história que resolveu-se o certame no sistema ‘melhor de três’. 

No caso, as partidas da decisão estadual estavam marcadas para os dias 3, 10 e 17 de fevereiro de 1952. Com expectativa de milhares de pernambucanos nas tribunas dos Aflitos e da Ilha do Retiro, os embates eram tidos como um ‘desfile de craques’.

Afinal, entre os escretes dos finalistas daquele ano, haviam 16 convocados à Seleção de Pernambuco - onde 10 eram alvirrubros e os seis restantes rubro-negros. Com um clima digno do tamanho da história de prestígio do Clássico dos Clássicos, os times estavam devidamente alinhados para o início da decisão do título máximo de 1951.

NÁUTICO MARCHA PARA O TÍTULO

<i>(Foto: Acervo/Biblioteca Nacional)</i>
"Não resistiram os rubro-negros ao poderio alvirrubro na primeira da 'melhor de três'", abria o jornalista Hélio Pinto o texto da crônica do primeiro embate da decisão no Diario de Pernambuco. Vindo de uma campanha invejável, o Náutico, que somava, em 16 partidas, nove vitórias, três empates e quatro derrotas, era o favorito no ‘match’ preambular. Sob o comando do treinador Palmeira, maior campeão pernambucano da história, o time que tinha o astuto ponta esquerda Zeca como uma das válvulas de escape no setor ofensivo havia balançado as redes adversárias 37 vezes durante os dois primeiros turnos do torneio.

Além do atacante prata-da-casa, o escrete alvirrubro contava, naquela tarde, com Vicente, Caiçara e Lula, Ivanildo, Gilberto e Jaminho; Jandir, Djalma e Arlindo. Além, é claro, do artilheiro do certame de 1951, Fernandinho, que havia anotado nove gols até o início do confronto. Pelo lado rubro-negro, o comandante uruguaio Ricardo Díez escalou o Sport com  Zeca, Orlando e Arnaldo; Mourão, Arlindo Lira e Pinheirense; Jorge de Castro, Tonho, Ênio, Arlindo e João do Vale.

Pelos mesmos motivos que um árbitro FIFA apitará o confronto decisivo deste domingo (23), optou-se, em 1951, pela idoneidade de um juiz estrangeiro. Destarte, os organizadores do Campeonato Pernambucano contrataram o sr. Jimenez Molina - que, segundo a crônica do jornal mais antigo da América Latina, “moralizou as coisas dentro de campo”.

Com a autorização do espanhol, a bola rolou no então chamado Campo dos Aflitos. Conforme registrado pelo repórter Hélio Pinto, os primeiros instantes da decisão de 270 minutos foram marcados por um amplo domínio do Sport. Segundo o jornalista, o defensor alvirrubro Lula não estava em melhor forma naquela tarde. Apresentava pouca confiança em seu taco e, assim, contaminava o setor de segurança alvirrubro com suas rebatidas pouco firmes. Com o futebol dos mandantes comprometido, mal demorou para o Sport abrir o placar que oscilava, porém não caía na tribuna do estádio.

Diante de um rival desorganizado, o Leão passou a controlar as ações do jogo e confirmou a superioridade técnica com o primeiro gol da decisão - antes, havia tido um pênalti desperdiçado. Aos 30 minutos, João do Vale se deslocou da habitual ponteira esquerda e posicionou-se na zona de referência do ataque rubro-negro. Sem marcação, recebeu excelente passe e não titubeou para tirar o zero do placar: em chute indefensável, estufou as redes defendidas por Vicente.

Após o gol, o Sport perdeu o campo adversário e o domínio da partida. Com o quadro alvirrubro voltando a jogar bonito, o árbitro Jimenez Molina assinalou, sete minutos depois do tento rubro-negro, pênalti para os mandantes. Na jogada, o atleta Arlindo pôs desnecessariamente a mão na bola e o espanhol marcou a falta dentro da área. Na cobrança, o ídolo alvirrubro e scratchman da Seleção Pernambucana, Caiçara, deixou tudo igual no gramado dos Aflitos.

Embalados pelo ritmo de frevo que vinha das arquibancadas do estádio, os jogadores do Náutico retomaram o futebol virtuoso apresentado no segundo turno do torneio e passaram a criar as melhores oportunidades de gol. Levando perigo constante à meta resguardada por Zeca, o Timbu chegou à virada. Restando um minuto para o término do primeiro tempo, o juiz estrangeiro marcou foul perto da área alvirrubra.

Era a oportunidade perfeita para confirmar a boa execução de jogadas. Com pouco esforço, a bola parada foi oportunamente cobrada por Ivanildo e encontrou um desmarcado Hélio Mota, que demonstrou elevado senso de calma e finalizou com maestria às redes adversárias para colocar o Náutico em vantagem.

Com a vitória parcial dos mandantes, os 22 preliantes se dirigiram ao vestiário e, assim, iniciava-se o intervalo.

<i>(Foto: Reprodução)</i>
"O segundo tempo veio então para confirmar a previsão. Aumentando a vantagem para 3x1, encontrou-se o Náutico sem maiores dificuldades para alcançar o triunfo consagrador. Daí por diante, o seu quadro deu apenas exibição de classe aprimorada", registrou as páginas do Diario de Pernambuco.

Principal goleador do certame, Fernandinho foi o responsável pelo gol que garantiu a vantagem por 3 a 1 do Timbu. Aos 4 minutos da fase final do embate, ele recebeu uma perfeita enfiada de Djalma. Completamente fora do raio de marcação dos rubro-negros, aproveitou o mau posicionamento do arqueiro Zeca e finalizou rasteiro. Com a pelota adentrando a trave vazia, o artilheiro chegou aos 10 gols e garantiu a vitória do Náutico.

A autoridade demonstrada pelos mandantes durante os instantes finais do primeiro tempo perdurou até o final do jogo. E, com a superioridade do Náutico, terminou o primeiro jogo da final do Campeonato Pernambucano de 1951.

O EMPATE TRADUZIU A FISIONOMIA DO CLÁSSICO

<i>(Foto: Acervo/Biblioteca Nacional)</i>
“Náutico e Sport equivaleram-se numa luta monótona no princípio e eletrizante no final”, resumiu o Diario de Pernambuco o segundo jogo da final. Ficou claro durante os 90 minutos de partida que a expectativa gerada pelo eletrizante clássico disputado nos Aflitos não se cumpriu. Afinal, no dia 10 de fevereiro de 1952, segundo domingo decisivo, dezenas de milhares de torcedores testemunharam um confronto tecnicamente ruim pelo segundo episódio do ‘melhor de três’. 

Na Ilha do Retiro, os mandantes entraram em campo da mesma maneira que iniciaram a decisão anterior. Já os visitantes optaram pela mudança: saíram Jaiminho, Jandir e Arlindo; principiaram Genaro, Carmelo e Hélio Mota, autor do gol da virada alvirrubra no fim de semana anterior.

Como adiantado pela manchete do jornal, o 1 a 1 traduziu a fisionomia do clássico. Sem muitas emoções, 30 minutos iniciais de pura mediocridade foram cravados no ‘placard’ da Ilha do Retiro. E, embora o Náutico controlasse as ações ofensivas e ocupasse o campo adversário, o ataque timbu levou pouco perigo ao arco de Zeca.

Restando menos de 10 minutos para o fim de papo no primeiro tempo, o Sport encontrou o gol que abriu o leque de possibilidades na decisão. Em escanteio cobrado por Jorge de Castro, Dadá resvalou a cabeça na pelota e tirou de Vicente para tirar o zero do placar. Com o 1 a 0 a seu favor na etapa inicial, o Sport levava condições iguais à grande decisão do domingo seguinte.

A alegria dos rubro-negros foi breve. Logo no primeiro dos 45 minutos finais, Zeca, ponta esquerda do Timbu, em cobrança de falta, acabou encontrando Djalma. Em forte petardo, o atacante acertou o gol que deixou tudo igual novamente e colocou doses de emoção no clássico. 

E assim permaneceu o placar até o apito final, que, desta vez, era soado pelo brasileiro Carlos de Oliveira Monteiro, alcunhado por Tijolo. Com o resultado, bastava um empate para o Náutico se sagrar campeão pernambucano - em caso de vitória rubro-negra, a partida ia à prorrogação.

BI-CAMPEÃO DE TERRA E MAR

<i>(Foto: Acervo/Biblioteca Nacional)</i>
"Estamos redigindo do próprio estádio dos Aflitos, momentos após concluída a memorável jornada em que o Clube Náutico Capibaribe, registrando o feito de maior expressão de seus 51 anos de existência, assinalou de forma excepcional um triunfo que ficará através dos anos como um símbolo de persistência", escreveu o repórter Hélio Pinto para o Diario de Pernambuco após o quinto estadual do Náutico. Minutos antes do cronista esportivo redigir brilhantemente a abertura do texto do título alvirrubro, os Aflitos foi inundado por um mar de emoções.

Na tarde de 17 de fevereiro de 1952, o Timbu recebeu o Leão em partida válida pela ‘negra’ do Campeonato Pernambucano do ano anterior. No embate clímax, o Alvirrubro tinha a vantagem construída no primeiro dos três jogos da finalíssima. Bastando o empate para confirmar a campanha vitoriosa do certame, milhares de alvirrubros compareceram à sede timbu e testemunharam de maneira ocular um dos confrontos mais eletrizantes da história centenária da competição.

O ritmo das tribunas do Campo dos Aflitos era, segundo a crônica de Hélio Pinto, de maracatu. Para ser mais exato, a composição de Antônio Mariano “Timbu Coroado”. Em meio ao entusiasmo de sete mil fanáticos, o Carnaval do Recife era antecipado e os times comandados por Palmeira e Ricardo Díez entravam em campo.

O recorde de bilheteria registrado naquela tarde tornou o clima da final em festa. Pouco demorou para a bola, com autorização do árbitro Tijolo, que havia resguardado o embate anterior, rolar para os 90 minutos decisivos. 

<i>(Foto: Acervo/Biblioteca Nacional)</i>
Nos primeiros instantes do jogo, ao contrário do que fora apresentado nos confrontos anteriores, muito respeito entre os atletas de Náutico e Sport. Além disso, os 22 contendores no gramado protagonizaram 15 minutos de um futebol técnico jamais visto em terras pernambucanas. Os pupilos de Palmeira logo controlaram a posse de bola e passaram a investir com frequência na meta do Leão. 

"Pelo lado do Náutico, não havia sequer uma peça desajustada. Articulavam-se 11 homens com tal precisão que por vezes bailavam sem que a pelota tocasse num adversário", descreveu a reportagem do Diario. A dança bem coreografada do Timbu, no entanto, não levou perigo aos leões durante a etapa inicial.

Com o intervalo assinalado por Tijolo, a história do estadual de 1951 parecia bem encaminhada para o lado dos timbus. O que Fernandinho, Djalma, Hélio Mota e companhia não previam era que o time comandado pelo uruguaio Díez reagisse durante o ‘tudo ou nada’ dos 45 minutos definitivos.

"Vimos então os pupilos de Ricardo Díez armando jogadas, fugindo aos ataques contrários e contra-atacando com frequência para exigir do goleiro Vicente uma vigilância persistente e audaz".

Apesar disso, registrou Hélio Pinto, os atacantes Dadá e João do Vale eram pontos nulos no setor ofensivo do Sport. 

Com a persistência do empate em 0 a 0, a reação rubro-negra não resistiu. Faltava ao Leão o que sobrava ao Timbu: química, entrosamento e autoconfiança. Dessa maneira seguiu o maracatu alvirrubro até o ponto mais alto da tarde ensolarada no Recife. 

Como autêntico craque que era, o goleador-mor do Campeonato Pernambucano de 1951, Fernandinho, assumiu sua responsabilidade de artilheiro e resolveu levar alegria à massa que acompanhava a peleja nos Aflitos. Coube a ele iniciar e terminar a jogada do tento que balançou o campo do Timbu: sozinho, se livrou da marcação rubro-negra e soltou uma bomba de longa distância. Sem chances para Zeca, a pelota morreu no capim do fundo do gol.

Com o apito final, o Náutico conquistou o quinto título de sua história. Numa época em que os esportes aquáticos dominavam boa parte das páginas dos jornais, o Timbu se sagrou, além de campeão estadual, bi-campeão de Terra e Mar. Com a conquista máxima no remo em 1950 e 1951, os alvirrubros igualaram o Sport como únicos campeões no futebol e nas regatas do estado de Pernambuco.

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