Leylane é a atual recordista das Américas. (Foto: Divulgação)
Por muito tempo Leylane ouviu ser forte demais. Nada que ela não soubesse. Mas aquela força era tamanha que a tirou do lugar, sem caminho de volta. Mudou o que parecia definido. E, mais do que isso, desenhou uma nova estrada a ser percorrida. Aos 21 anos, a paratleta pernambucana Leylane Castro trocou a bocha, esporte que preza mais pelo jeito do que pela intensidade, pelo atletismo. Por ser forte demais. Hoje, aos 27, a força do arremesso de peso a levou ao Japão. Mais precisamente a Tóquio, onde disputará a primeira Paralimpíada da carreira.
Natural do Recife, mas há 13 anos morando em Gravatá, no Agreste de Pernambuco. As mudanças de percurso sempre estiveram ali. Fisicamente. Aos 14 anos, após um mal estar, caiu da escada de casa. Sobreviveu três meses na UTI do Hospital Oswaldo Cruz, na Zona Central da capital pernambucana. E saiu, com a notícia de que não mais andaria. Nem falaria. Muito menos iria ter lembranças da força que fez para permanecer firme em vida. Mas saiu. Com recém-completados 15 anos, deixou o hospital ao lado da sua mãe, Simone Moura, 'parceira valiosa' na condução de Leylane ao encontro do esporte. O que mudaria, de novo, a sua trajetória.
Jamais esteve sozinha
Leylane acompanhada da sua mãe, Simone, em viagem. (Foto: Redes Sociais/Divulgação)
Ninguém caminha sozinho. Essa sempre foi uma das grandes certezas na vida de Leylane. Certezas. Os relatos médicos, após a saída do hospital, eram cheios delas. Tudo o que se escutava parecia definitivo. Mas o cabal nunca fez parte da trajetória da pernambucana. Afinal de contas, ela seguia. E assim o fez. Em meio às incontáveis sessões de fisioterapia, por 10 anos com o apoio da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), e tantas outras atividades motoras, percebeu que carecia de mais. Mas não precisou procurar muito. Logo encontrou o esporte.
"Percebi que só a fisioterapia não era suficiente. Ela fez tudo. Fisio, hidro, terapia ocupacional. Tudo que você imaginar. E não melhorava. Então, o esporte entrou nessa mediação. A independência foi o maior presente dessa relação. No esporte, vi que ela podia explodir a força que tinha. Ela não precisava prender. Podia 'botar' para fora. Quando a incentivei a praticar algum esporte, nunca pensei em 'Ley' ganhar dinheiro ou estar em grandes competições. No início, o pensamento era a evolução dela. Ver ela viajar sozinha, sem familiares ou pessoas que convivem com ela dentro de casa, é ver todo o esforço sendo recompensado", destacou Simone.
Foi na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), através da bocha, que Leylane 'virou a chave'. Física e emocionalmente. Por vezes desanimada, coube à caminhada conjunta, com familiares e com os que nem de sangue são, lembrá-la da força que carregava. Que carrega. Que a fez trocar a bocha pelo arremesso de peso - e dardo. E a partir dali, realocada em outra modalidade, não precisava mais conter a intensidade que tinha. Pôde dar vazão à força necessária. Isso porque Leylane nunca foi forte em excesso. O muito, que diziam sobrar, sempre foi parte dela. Solução. Impulso para alçar voos ainda mais altos.
"Por acompanhar de perto e ver toda a evolução, sempre digo a ela antes de qualquer prova que ela já é a nossa vencedora. Se arremessar um metro, ótimo. Se arremessar cinco, ótimo também. Ali, é ela. Já estou muito feliz porque sei que quando ela senta naquela cadeira de arremesso, ela faz o possível e o impossível pelo melhor resultado", completou, orgulhosa, a mãe.
Ainda na rede de apoio, Leylane faz parte do Time PE, programa de incentivo ofertado pelo Governo de Pernambuco através da Secretaria de Educação e Esportes do estado. Além da paratleta, seu treinador, Ismael Marques, também está inserido no projeto.
"O paradesporto de Pernambuco tem crescido a cada ano e esse número de convocados reforça isso, além de estimular as próximas gerações para que possam chegar ao patamar mais alto do esporte, que é estar numa Olimpíada ou Paralimpíada. Isso motiva muito, não só os paratletas e técnicos, mas também toda a nossa equipe”, destacou o secretário executivo de Esportes, Diego Pérez.
Tóquio: a capital de sentimentos
Leylane voou, então, até o Japão. Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020. E chega com moral. Desde 2016 entre as melhores do mundo na modalidade, a paratleta pernambucana é a atual recordista das Américas no arremesso de peso da classe F33 (para paralisados cerebrais que competem sentados), com a marca de 5,69 metros, estabelecida na seletiva para o Japão. Ainda, carrega no currículo a medalha de prata nos Jogos Parapan-Americanos de 2019 em Lima, no Peru.
Já na Vila Paralímpica, Leylane é um misto de sentimentos. Confiante no que é capaz de fazer em Tóquio, ela compartilha a rotina com o também pernambucano Ismael Marques, treinador e amigo. Parte substancial da rede de apoio da paratleta. Segundo ele, momentos de ansiedade também são vividos por "Ley", como a apelida, mas esses são incapazes de superar a gratidão.
Agradecida. Leylane repete, com frequência, o que sente. Próxima da estreia, que acontece no dia 3 de setembro, às 22h (horário de Brasília), quem tanto agradeceu, faz um pedido. Breve, mas cheio de força. "Se puder, torçam por mim."