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ARTIGO

'Vai esperar morrer alguém?'

Estamos a gritar contra uma violência bem conhecida, fruto de associações criminosas compostas por meliantes transvertidos de torcedores organizados, em clara cortina de fumaça para a prática dos mais variados crimes

postado em 23/02/2024 20:10 / atualizado em 23/02/2024 20:25

<i>(Foto: REPRODUÇÃO)</i>
Essa é a pertinente indagação pelo CEO do Fortaleza, Marcelo Paz, após o atentado criminoso praticado por vândalos travestidos de torcedores do Sport, no último dia 21.02.24, após partida válida pela Copa do Nordeste, na Arena Pernambuco.

Em resumo, o ônibus da delegação do Fortaleza foi alvejado por pedras e bombas, tendo o clube cearense, além dos danos materiais, uma série de danos pessoais e lesões graves em seu elenco, cujas sequelas pessoais e coletivas ainda são inimagináveis.

Estamos a gritar contra uma violência bem conhecida, fruto de associações criminosas compostas por meliantes transvertidos de torcedores organizados, em clara cortina de fumaça para a prática dos mais variados crimes.

O fato ganhou ainda mais notoriedade com o protagonismo célere e prudente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que em menos de 48 horas após o evento, recebeu denúncia apresentada por sua Procuradoria-Geral. Tendo o Auditor relator decidido liminarmente pela proibição da presença de torcedores do Sport Club Recife em todas as competições organizadas pela CBF, como a Copa do Nordeste, Copa do Brasil e o Brasileirão.

Em Pernambuco uma série de críticas estão sendo disparadas na imprensa e nas redes sociais, com o resgate de manchetes retratando violências análogos, em que a competência da Justiça Desportiva foi declinada.
 

Importante discernir que a atuação das autoridades policiais, do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Justiça Desportiva são autônomas e independentes. De outro lado, podem atuar de forma concomitante, bem como emprestarem entre si seus acervos probatórios.

Pernambuco vem protagonizando eventos violentos impensáveis. Há 11 anos tivemos o caso “Lucas Lyra”, onde um jovem apaixonado pelo Náutico, que estava indo a um jogo do clube, nos Aflitos, quando houve uma confusão envolvendo alguns torcedores do Sport, que estavam em um ônibus que passava em frente ao estádio.

No tumulto, um segurança que fazia a escolta de determinado veículo, atirou na cabeça do alvirrubro. O jovem passou três anos internado, recebendo alta apenas em 2016, tendo perdido a audição, adquirido osteoporose, com o lado esquerdo do corpo paralisado e quase não enxerga com o olho direito. Ainda segundo relatos da família ele sente dores 24 horas por dia, aliado a um problema sério de engasgo.

Há 11 anos outro crime horrendo, absurdo e sem precedentes no futebol brasileiro, desta feita envolvendo o Santa Cruz, quando um dos vândalos, que dizia ser torcedor do clube, resolveu “arrancar” e arremessar do alto da arquibancada do Estádio José do Rêgo Maciel – Arruda -, um vaso sanitário. O que determinou o óbito de Paulo Gomes da Silva, de 26 anos, que estava fotografando um confronto de torcidas organizadas, após um jogo do Santa Cruz contra o Paraná Clube, pela Segunda Divisão do Brasileirão.

Estou trazendo à memória esses 02 episódios porque em ambos os casos eu já defendia a necessária atuação da Justiça Desportiva de Pernambuco, por entender que a interpretação restritiva dada ao art. 213 do CBJD, em especial no que versa sobre as praças desportivas e seu alcance, precisava ser enfrentada, dada a celeridade e a efetividade da justiça desportiva, que já teria julgado definitivamente os casos e produzido os efeitos pedagógicos em relação a eventos dessa natureza.
 

A necessária reação da Justiça Desportiva não é dirigida a Pernambucano ou ao Nordeste, como a imprensa local vem querendo incutir no torcedor. A liminar concedida em sede de medida cautelar tem natureza precária, e ainda é suscetível de revisão, quando do enfrentamento do processo.

O conceito de praça desportiva tem que ser amplo, “aberto” às nuances e circunstâncias decorrentes do evento. Atos criminosos, e no caso, a clara tentativa de homicídio, reclama a atuação da justiça comum e das autoridades policiais, e obviamente a identificação e responsabilização dos envolvidos.

Entretanto, como o ato é decorrente do evento jogo, não há porque suscitarem dúvidas quanto a competência da justiça desportiva, muito menos sob justificativas relativas à distância entre o local do atentado e do jogo. Soma-se ao exposto o fato de que os ônibus que transportam as delegações devem ser considerados como recinto esportivo.

Com respeito aos precedentes envolvendo atos de violência entre vândalos, que se dizem torcedores de clubes do Sudeste e Sul, em que a Justiça Desportiva declinou da sua competência, por entender não terem sido afetos às respectivas praças desportivas, é nosso dever buscar o amadurecimento e o aprofundamento das decisões. 

As leis são estáticas e a sociedade é dinâmica, de modo que o julgador e os estudiosos devem levar em conta essa evolução social. Logo, buscar o melhor disciplinamento das questões afetas à prática do desporto tem o nítido propósito contributivo, objetivando combater a violência dentro e fora dos estádios, em respeito, principalmente, à sociedade

Não estamos a discutir as causas da violência (sociais, econômicas, políticas públicas e de segurança, etc.) que testemunhamos nos entornos dos estádios, longe disso, o desejo aqui é fomentar o debate em torno da necessária responsabilização dos clubes quando deixam de tomar providências capazes de prevenir e reprimir atos criminosos. Até porque o próprio Código Brasileiro da Justiça Desportiva apresenta excludente de responsabilidade (§3° do art. 213), quando identificados e responsabilizados os respectivos vândalos, dentre outas exigências.

Parabéns à Procuradoria do STJD de Futebol, em nome do nosso Procurador-Geral Ronaldo Piacente, por sua atuação autônoma, imparcial e que muito vem contribuindo para o fortalecimento do futebol brasileiro. Oxalá que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva enfrente o tema a partir desse trágico evento, ampliando a interpretação em relação à praça desportiva.

Delmiro D. Campos Neto
Procurador do STJD de Futebol, Procurador-Geral do STJD de Surfe, ex-Presidente do TJD de Futebol de Pernambuco (2020) e com atuação na justiça desportiva desde 2005.
 
*A opinão não retrata nenhum tipo de posicionamento do Diario de Pernambuco  

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