Esportes DP

PARALIMPÍADA

Ao Diario, pernambucana Carol Santiago partilhou do sentimento de fazer história

À equipe do Esportes DP, a nadadora dividiu parte da sua história, partilhou o sentimento de triunfar em Tóquio e projetou Paris 2024

postado em 04/10/2021 11:35 / atualizado em 04/10/2021 11:52

<i>(Foto: Paulo Paiva/DP Foto)</i>
Filha do Recife. Criada em Caruaru. O coração em Porto Alegre. As boas notícias de Londres. O nome cravado na história em Tóquio. 36 anos. Carolina Santiago esteve, boa parte desse tempo, dentro d’água. Exatamente onde deveria estar. Lembra-se pouco - e evita falar - dos momentos em que precisou se afastar do que a faz feliz. Mas, ainda que por vezes distante, lidando com dúvidas, a pernambucana nunca desconfiou do bem que sentia ao nadar. Hoje, dona de cinco medalhas paralímpicas e variados recordes, Carol tem ainda mais certeza do seu lugar. Principalmente na história.
 
Carol soube que estaria em Tóquio enquanto nadava o Mundial de Londres, em 2019. A notícia de que estrearia, enfim, em uma Paralimpíada. A maior competição do paradesporto. E fez valer o tamanho do desafio. Na capital japonesa, subiu ao pódio em cinco oportunidades, alcançando o topo em três delas. Seus ouros vieram nos 50m livre, 100m livre e 100m peito. Além desses, faturou a prata no revezamento misto 4x100m livre e o bronze nos 100m costas. Quebrou dois recordes paralímpicos e um jejum de quase duas décadas, desde Atenas 2004, sem uma nadadora brasileira subir ao alto do pódio. 

Portadora de uma síndrome chamada Morning Glory, rara condição congênita que causa perda unilateral ou bilateral da visão, Carol teve sua capacidade de enxergar reduzida para 30%. Nos Jogos de Tóquio, a medalhista competiu nas classes S12 e S13, destinadas para atletas com pouca ou nenhuma visão. E triunfou nas piscinas da capital japonesa. À equipe do Esportes DP, em exclusiva, dividiu um pouco da relação com a natação e do sentimento de ser lembrada por fazer o que ama.

Confira a entrevista completa da nadadora

RECIFE E CARUARU 
Nasci no Recife e fui para Caruaru aos 12 anos. Costumo dizer que é coisa de coração. Me dividia entre esses dois lugares para continuar nadando, já que passei pelo Clube Português e pelo Sport Club do Recife. Mas não parava quando retornava para cá (Caruaru). Os dois lugares têm muita influência na minha natação e, consequentemente, na minha história.

RELAÇÃO COM A NATAÇÃO
Comecei a nadar muito nova, aos quatro anos e, devido a minha síndrome, era um esporte indicado por causa do baixo impacto. Aos oito, já competia. Participei de grande parte das competições de base. É o que eu mais amo fazer na vida. Quando nado, me sinto feliz de verdade. Tenho uma relação com a natação muito por entender o que ela me traz. Ela me traz muita felicidade. Consigo desempenhar da melhor forma. Na água, consigo ser o meu melhor. A minha melhor versão é quanto estou fazendo o que tanto amo.

 

O ENCONTRO COM O PARADESPORTO 

Sempre gostei muito da água. Na época que competi em águas abertas, entrava no mar e tentava seguir outra atleta, por causa das boias. Mas a minha satisfação era tanta, tão grande, que me dava uma alegria enrome e eu queria nadar outra maratona. Foi a partir disso (entender a minha relação com a água) que conheci o Grêmio Náutico União. Uma potência do Rio Grande do Sul nas maratonas aquáticas. Lá, me encontrei com o paradesporto, em 2018, e soube com mais detalhes da equipe paralímpica. Na época, ainda era atleta do Sport Club do Recife. Fernando Martinez, um treinador que tive no Recife, dizia para eu procurar o esporte paralímpico, mas eram poucas as informações sobre. Mas teve esse momento, eu achei. E quando conheci o movimento paralímpico, me encontrei. Passei a viver os melhores anos da minha vida. Ali, sim, descobri o que é fazer natação em sua plenitude. Realizar as coisas sem ter medo de nada.

 

CLASSIFICAÇÃO PARA OS JOGOS DE TÓQUIO 

Soube no Mundial de Londres, em 2019. Lembro como se fosse hoje. O chefe de missão disse que todos os atletas que foram medalha de ouro em prova paralímpicas estariam aptos a participar das Paralimpíadas. Ir a Tóquio estava entre as principais metas. A notícia foi antecipada, já que eu e minha equipe esperávamos alguma confirmação apenas após o Mundial. Naquele momento, pensei: agora, só falta a participação. Lembro que fiquei muito empolgada. Pensando em tudo. Era a minha primeira participação em um evento desse porte. O maior do paradesporto. Como fui bem no em Londres, pensava em repetir muito do que estava fazendo. Fiquei bastante ansiosa.

 

PANDEMIA 

Acredito que a minha euforia foi 'segurada'. Sinto que voltei mais madura. Durante esse tempo, pude entender melhor o Movimento Paralímpico, o tamanho do desafio. Fui animada, claro, mas a euforia era diferente. Estava muito consciente do que eu tinha que fazer. As pessoas perguntam até se eu aproveitei por lá (Tóquio), fora da competição, mas mal saí para tirar foto. Estava muito quente. Para não me desgastar, focava em descansar. Em me recuperar. Sabia o que tinha que fazer. Fui com outra mentalidade, muito focada. Sabia as provas que tinha que nadar, todo o ritual psicológico de preparação. Fui muito mais consciente e determinada.

 

SENTIMENTO DE FAZER HISTÓRIA 

Cada medalha tem uma história. O que você passou antes, durante a prova, depois. Todas são incríveis. A minha primeira prova, por exemplo, foi muito importante pra quebrar o gelo. Então, cheguei lá e conheci todos os locais. Foi muito bom para entrar na competição. A partir daí, veio o bronze nos costas, que eu queria muito aquela medalha. Mais do que tudo. A competição já tava acontecendo, as medalhas saindo. Eu queria a minha. Fiz o melhor tempo da temporada. Foi muito emocionante. Depois, as provas de crau, que são as que eu realmente treino. Nos 50m livre, que competi uma classe acima, aquilo pra mim foi muito grandioso. Teve um gosto diferente. Os meus 100 livre. Uma prova imporatnte porque eu havia sido campeã mundial e queria manter o posto. O revezamento, que eu amo competir. Teve toda a história de encerrar disputando com dois homens na piscina. Quando virei e senti a 'marola' deles vindo, pensei: nem que eu precise nadar outra piscina, só paro quando chegar lá. É uma emoção que envolve muita gente. Nossos técnicos. Uma equipe grande. Muito emocionante.

 

Mas, sem dúvidas, a que eu mais amo é o peito. Porque é uma prova que exige muito de mim. Tanto fisicamente quanto psicologicamente. É onde me supero. Tenho dificuldade em acertar essa prova. Ela me custou bastante durante a competição. Isso porque eu competia e, nos dias de descanso, precisava treinar peito. Era a prova que iria encerrar a minha participação. Tinha que chegar nela competitiva. Já estava ficando muito cansada com as provas. E aí, consegui performar daquela forma. Fechamos de forma vencedora. Foi incrível. Onde fiquei mais emocionada, justamente porque sabia que a missão tinha acabado.

 

AOS 36 ANOS...  

Eu acho que a idade me diz muito sobre o cuidado que preciso ter com o meu físico. Tem o lado de precisar me preocupar com a minha recuperação. Hoje, eu preciso focar na fisio, focar na preparação. Mas, por outro lado, me sinto muito mais preparada mentalmente. Pra aceitar um treino, pra não perder um treino. Ter a consciência e a maturidade de saber que eu preciso chegar todos os dias e levar a sério o que eu faço. Eu não posso fazer as pessoas que trabalham comigo perder tempo. Sei o que representa pra mim e, por isso, vou tá fazendo com mais vontade. Mesmo em dias mais difíceis, eu vou tá com a mesma disposição. Então, acho que tem esses dois lados.

 

17 ANOS DEPOIS, UMA BRASILEIRA NO ALTO DO PÓDIO 

Fiquei sabendo já fora da piscina. Me perguntaram, em uma entrevista, se eu sabia. E eu não tinha essa consciência. É engraçado porque isso tem relação com a minha preparação. Me preparei para as boas atuações, também. Para que eu não ficasse tão empolgada com aquilo ali, porque teriam outras provas pela frente. A ideia era deixar para comemorar quando tudo acabasse. Aquela tentativa de me blindar dos excessos da emoção. Mas quando recebi essa notícia, fiquei sem saber o que fazer. Fiquei parada.

 

 Hoje tenho a dimensão da importância de tudo que foi Tóquio para mim. A relevância de uma mulher figurando no lugar mais alto do pódio, a representatividade e a referência. Inclusive, para que outras meninas entendam que é possível. Não é coisa do estrageiro, é coisa da gente. Poder ver que a pessoa que é a melhor do mundo naquela classe, é brasileira. É pernambucana. Acho que pude trazer pra perto o sonho.


PÓS-TÓQUIO

Tóquio me mudou muito. Mas, mais do que isso, o movimento paralímpico me transformou. Desde que entrei no paralímpico, não digo que sou uma atleta melhor. Sou uma pessoa melhor. Hoje, tenho uma visão muito diferente das coisas, devido ao processo de estar no movimento. Então, ter participado de Tóquio, que é o maior evento do paradesporto mundial, me colocou em um grupo seleto. Posso dizer que vivi aquela experiência, tenho um olhar diferente para o esporte. Isso é um gostinho do que quero realizar. Vou com muito mais garra, muito mais forte e sabendo o que quero buscar em Paris (2024).

 

Talvez, para Paris, a gente não faça um programa tão extenso. Algo mais enxuto. Dessa vez, nadei todas as provas. Então, talvez nade só as provas de crau e alguma outra. Isso ainda não foi definido, mas por causa da idade, isso vai pesar na hora das escolhas.

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